Funcionando 24 horas por dia, sete dias por semana, o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) recebe quase um milhão de ligações anuais pelo número 192, prestando socorro em todo o Distrito Federal. Em cada chamada, o atendente dispõe de apenas 30 segundos a um minuto para compreender a situação e tomar decisões cruciais para salvar vidas. No entanto, os profissionais ainda enfrentam um grande obstáculo: os trotes. Milhares de ligações falsas são recebidas anualmente, não só pelo Samu, mas também pela Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) e outras forças de segurança, desperdiçando recursos públicos e comprometendo o atendimento de emergências reais, podendo custar vidas.
“Quando alguém liga para uma central de emergência e está realmente em perigo, cada segundo é crucial e pode salvar uma vida”, destaca o chefe do Centro de Operações da Polícia Militar (Copom), tenente-coronel Ricardo Kotama. Ele exemplifica que, no caso da PMDF, chamadas indevidas ou acidentais fazem com que os policiais gastem tempo analisando a situação para assegurar que a pessoa não está sendo vítima de sequestro, roubo ou violência.
“Isso demanda tempo, congestiona nossas linhas e impede que emergências reais sejam atendidas com a rapidez necessária. Os recursos são limitados, e precisamos sempre priorizar as situações de emergência e risco de vida”, afirma o tenente-coronel.
Redução de casos
Segundo o diretor do Samu, Victor Arimateia, o hábito de passar trotes tem diminuído. Em 2023, foram registrados entre 12 e 13 mil trotes no DF pelo 192, comparado a mais de 15 mil em 2022. “Houve um declínio significativo. Mas o objetivo é alcançar trote zero”, afirma. Ele destaca que, além do monitoramento e filtragem de atendimentos, iniciativas como comunicação com a mídia e o projeto Samuzinho ajudam a reduzir os trotes. “Essas ações permitem explicar à população a importância de evitar trotes e fornecer informações precisas para a tomada de decisão, considerando sempre a limitação de recursos do serviço de urgência”, detalha Arimateia.
Filtros de atendimento
No Samu, aproximadamente 75 mil ligações resultam em intervenções móveis anuais. Um sistema foi estabelecido para direcionar o atendimento aos pacientes que mais precisam, com uma equipe especializada na central de regulação, que possui 23 postos de atendimento e cerca de 300 funcionários na sede do Setor de Indústria e Abastecimento (SIA). O primeiro atendente, um técnico auxiliar de regulação médica, muitas vezes identifica e redireciona chamadas que não são pertinentes ao Samu, como para a polícia ou bombeiros. “Esse filtro também identifica a maioria dos trotes, que geralmente são interrompidos nessa fase”, explica Arimateia.
Contudo, há trotes que simulam situações de socorro, acionando equipes desnecessariamente. “Enquanto o telefonista está engajado nessas chamadas, outras chamadas reais podem ficar sem atendimento ou receber uma unidade móvel mais distante, comprometendo o tempo de resposta”, observa o diretor. Para evitar desperdício de recursos, o Samu trabalha em conjunto com o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF), evitando atendimentos duplicados.
A polícia também tem um sistema de filtragem, onde os atendentes identificam números que ligam repetidamente com brincadeiras. “Adotamos uma postura mais combativa, tentando identificar os autores dessas chamadas. Hoje, os trotes para a Polícia Militar atrapalham menos do que acionamentos indevidos feitos por empresas de segurança particular”, detalha Ricardo Kotama.
A PMDF recebe aproximadamente 2 milhões de ligações por ano, entre 160 mil e 180 mil por mês, das quais cerca de 30 mil são trotes, chamadas acidentais e acionamentos indevidos. Cerca de 10% dessas ligações vêm de empresas de segurança que vendem o acionamento da Polícia Militar, resultando em 3 a 4 mil acionamentos mensais. “Essas empresas tentam terceirizar o serviço de acionamento da Polícia Militar, o que não deveria acontecer. Quando esses serviços são testados, fazem acionamentos indevidos da central de emergência, passíveis de multa”, alerta Kotama. “Equipamentos falham por vários motivos, e a polícia acaba verificando falsas emergências, comprometendo recursos reais.”
Contra a lei
As chamadas indevidas prejudicam desde o atendimento até o deslocamento de viaturas para ocorrências falsas. O Decreto nº 44.427 prevê punição com multas de até R$ 4 mil para autores de trotes, ajudando a coibir essas ligações e garantindo recursos para quem realmente precisa.
“Essa lei representa um avanço significativo, proporcionando um respaldo legal para punir adequadamente quem age dessa forma”, ressalta o diretor do Samu.